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Eliana Calmon diz que continuará a fazer seu trabalho 'doa a quem doer'
sábado, 22 de outubro de 2011 às 09h14
Rio de Janeiro, 22/10/2011 - "Vou continuar a fazer o meu trabalho. Doa a quem doer, goste quem gostar". Assim a corregedora nacional de Justiça, ministra Eliana Calmon, encerrou sua participação no painel sobre o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nesta desta sexta-feira (21), na XI Conferência Estadual promovida pela OAB do Rio de Janeiro. Para Eliana Calmon, limitar a atuação do conselho seria "o primeiro passo para a impunidade da magistratura".
"A ideia de que o magistrado não precisa se preocupar com as consequências daquilo que decide ficou no passado. No momento atual, com a internet outros tantos meios de comunicação, os cidadãos começaram a questionar o que nunca foi questionado", observou a ministra, ao criticar o pensamento que ainda vigora no Brasil no sentido de que as decisões dos magistrados são inquestionáveis e sua atuação está além de qualquer fiscalização.
Criticada por alguns membros do CNJ após ter dito em uma entrevista que a "Justiça sofria com bandidos de toga", ela aproveitou a oportunidade para revelar o que a motivou a investigar a fundo a conduta dos juízes. "A primeira pergunta que me fiz foi: por que depois de seis anos está se questionando a competência e publicidade dos atos do CNJ? Ao assumir o cargo, decidi manter todos os projetos do ministro Gilson Dipp, com apenas uma mudança. Comecei a aprofundar a investigação a respeito das corregedorias de justiça locais, cruzando informações do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) e da Receita Federal", explicou, salientando.
"A magistratura de carreira está em meu DNA. Escolher não falar sobre nada para não me indispor com as pessoas seria manter a mesma postura que muitos juízes tiveram até agora". Na mesma entrevista, divulgada no fim de setembro, a corregedora havia criticado a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 4.638 impetrada pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e que questiona a Resolução 135, responsável por aumentar o controle do CNJ sobre processos administrativos contra magistrados.
Para Jorge Hélio, um dos representantes da OAB no CNJ, a relutância de alguns juízes e desembargadores em aceitar a existência de um órgão desse tipo é previsível. "A discussão do momento é se o CNJ é ou não um órgão de controle externo. Porém, é desnecessário dizer que as cúpulas do Judiciário não queriam o CNJ já na época em ele foi criado. Entretanto, a Justiça precisa, sim, de controle externo," defendeu o conselheiro. Os benefícios de um órgão de controle também foram exaltados por outro representante da OAB no CNJ, Jefferson Kravchychyn: "Durante muitos anos buscamos opções para esse controle. O Judiciário é, com certeza, o poder mais fechado que temos no Brasil. Não se trata de o CNJ ser o grande redentor, mas o Conselho representa um grande avanço. Estão querendo desmontá-lo e não podemos permitir".
O trabalho das corregedorias foi outra questão levantada por Eliana Calmon. Segundo ela, o papel a que dá mais ênfase como corregedora não é o disciplinar, mas o de ajudar as corregedorias a cumprirem suas atribuições. "Ao visitá-las, eu perguntava: ‘Por que os processos estão na prateleira? Eles devem ser julgados ou abrirei uma sindicância.' Muitos não julgam, acreditando que nada vai acontecer. Eu cumpro o prometido e os juízes acabam julgando tudo correndo depois", relatou. A ideia agora, adiantou a ministra, é dar "musculatura" econômica e estrutural às corregedorias locais, responsáveis pela investigação de magistrados de primeiro grau. "Esses juízes são investigados. O problema maior que enfrentamos agora é em relação aos tribunais, que nunca deram nenhuma satisfação sobre seu trabalho. Afinal, quem investiga os desembargadores?", questionou.
A pergunta também teve relação com a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade (ADI) proposta pela AMB. Segundo Eliana Calmon, 54 investigações, muitas contra desembargadores e envolvendo denúncias graves, "estarão absolutamente inutilizadas" se o STF decidir que o CNJ só poderá agir se as corregedorias estaduais forem omissas ou negligentes, conforme diz a ADI. Na visão de Jorge Hélio, a atuação de tais corregedorias deve ser concorrente à do CNJ, e não se sobrepor ao órgão. "Essa concorrência vai estimular que elas façam seu dever de casa", resumiu. Já Kravchychyn ponderou que somente fiscalizar o que fazem os juízes não é suficiente para garantir que a situação do Judiciário brasileiro melhore de fato. Para ele, o grande problema está no "sistema de Justiça". "Muitos acham que os culpados são apenas os magistrados, que não gostam de trabalhar etc.
Mas também temos que pensar pelo outro lado. É desumano que juízes sejam obrigados a cuidar de mil sentenças por mês e sob a pressão do cumprimento das metas", argumentou. "Isso sem mencionar que esse juiz pressionado, muitas vezes, é totalmente sem preparo. Vemos muitos magistrados que escolheram fazer o concurso apenas para ganhar dinheiro, sem nenhuma vocação, sem nenhuma vivência. E eles vão exercer a função que é a mais importante da sociedade humana, isto é, julgar seu semelhante", acrescentou. No entender de Kravchychyn, não adianta dobrar o número de magistrados, ou de servidores, ou mesmo orçamento. "Temos que repensar o Judiciário como um todo. Ele está apodrecido. A mudança é cultural e tem a ver com juízes, magistrados, advogados", resumiu.
Compuseram a mesa os presidentes das Seccionais do Rio de Janeiro, Wadih Damous, e de Santa Catarina, Paulo Borba.