Notícia
Data: 15/04/2013 Fonte: Revista Veja - Internet
Furioso e coberto de razão
A criação de mais tribunais para
agilizar a Justiça Federal, ideia contra a qual Joaquim Barbosa esbravejou,
custará milhões e será inócua. Há opções bem mais baratas e eficazes
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, não é um homem afeito a sutilezas. Na segunda-feira passada, em uma reunião em seu gabinete, passou uma descompostura pública nos dirigentes das três principais associações de juízes do país. Chegou a ordenar a um deles que só lhe dirigisse a palavra quando autorizado. Os arroubos verbais do presidente do STF têm deixado satisfeitos seus críticos e ocorrido com mais frequência do que gostariam seus admiradores. Mas a indignação de Barbosa tem razão de ser. A criação de mais quatro tribunais regionais federais, medida aprovada pelo Congresso Nacional na semana anterior e contra a qual ele protestava, é daquelas ideias que farão a alegria de poucos ao custo do bolso de muitos, sem, no fim, atingir seu objetivo - nesse caso, fazer baixar mais depressa a pilha de processos acumulados na segunda instância da Justiça Federal.
Para os políticos, trazer para a sua região uma nova sede de TRF, com todo o prestígio que isso significa para um estado, rende altos dividendos eleitorais. Os principais articuladores da proposta de Emenda Constitucional criou os TRFs foram o Senador Sergio Souza, do PMDB do Paraná e o deputado federal Amauri Teixeira, do PT da Bahia. Ganha um motorista e garçom quem adivinhar que estados acolherão os novos tribunais. Paraná e Bahia, é claro, além de Minas Gerais e Amazonas. Para os juízes e aspirantes à carreira, a quase duplicação do número de TRFs - atualmente, existem cinco - é também um bom negócio. O plano aprovado no Congresso prevê a criação de sessenta cargos de desembargador, com salário de 24000 reais mensais, e cerca de 3 000 funcionários de apoio.
Em sua ira, Barbosa esbravejou que a proposta fora aprovada "na surdina", de forma "sorrateira" e que as novas estruturas custariam ao menos 8 bilhões de reais. Há exagero em todas essas afirmações. A proposta de criar os tribunais foi apresentada no Senado em 2001 e aprovada no ano seguinte. De lá, seguiu para a Câmara, onde ficou parada por quase dez anos. Foi em 2011 que os parlamentares dos estados beneficiados se uniram para aprová-la - abertamente e à luz do dia. Logo eles ganharam o apoio das associações de juízes e advogados. O esforço conjunto das categorias resultou na aprovação da PEC no início deste mês. Os custos citados pelo presidente do STF também dificilmente se materializariam. Toda a Justiça Federal hoje - primeira e segunda instâncias - custa 7,7 bilhões de reais ao ano. A conta mais realista para as despesas com os novos TRFs ficaria em tomo de 700 milhões de reais ao ano, não incluídos aí os outros muitos milhões a ser gastos com a construção das novas sedes - que, a seguir o padrão corrente, não seriam menos do que suntuosas.
Mas o argumento mais poderoso a corroborar a indignação de Barbosa é: a criação de mais quatro tribunais federais será inútil se o objetivo for desafogar a Justiça Federal. Primeiro, porque, em boa pane do país, o gargalo é muito maior na primeira instância do que na segunda. Depois, porque a falta de pessoal não é a principal causa da lentidão. Até os escaninhos do Judiciário sabem que o caminho da eficiência não está no aumento da já mastodôntica máquina judicial, mas sim numa gestão eficaz.
Há exemplos bem concretos disso. O TRF da 4a Região, por exemplo, que atualmente compreende os estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, tem a menor taxa de congestionamento entre os cinco tribunais existentes. Por que ele consegue isso com a mesma estrutura dos demais? Porque alguém se preocupou em fazer investimentos não para inchá-lo, mas para tomá-lo mais produtivo. Nesse caminho, implantou-se, por exemplo, a informatização dos processos. Desde 2010, todas as ações dirigidas ao tribunal só podem dar entrada em formato eletrônico. Com isso, o tempo de tramitação dos recursos caiu 80%. Se o julgamento de um processo demora menos, o juiz tem mais tempo para julgar outros. Hoje, apenas 5% dos processos estão digitalizados no país, segundo o professor Joaquim Falcão, da Faculdade de Direito da FGV-RJ. Diz Falcão: "O Judiciário não necessita nem de mais braços nem de mais prédios. Precisa de um choque de gestão"". Segundo cálculos do professor Pablo Cerdeira, também da FGV, cerca de 640 milhões de reais bastariam para digitalizar todos os processos da Justiça Federal - os existentes e os futuros.
Há outros caminhos para agilizar a Justiça. Um deles é não ter de julgar milhares de vezes o mesmo tema. Já existe uma regra que prevê que, quando o STF ou o Superior Tribunal de Justiça decidem sobre assuntos de "repercussão geral" e casos de "recursos repetitivos", os tribunais inferiores não precisam mais perder tempo com ele - devem apenas aplicar o entendimento já consolidado. Atualmente, há centenas de casos à espera da posição dos tribunais superiores. Isso feito, seriam imediatos os reflexos na celeridade da Justiça. "Esses mecanismos são muito importantes e já começaram a dar bons frutos, mas ainda não mostraram todo o seu potencial", avalia o ministro Gilmar Mendes, do Supremo.
Existe um impasse em relação ao próximo passo a ser tomado para a criação dos TRFs. A PEC pode ser promulgada pelo Congresso nesta semana, mas parlamentares contrários à medida e o governo buscam um meio de engavetá-la. Ainda há tempo para políticos e juízes mostrarem que as vantagens de uns poucos não podem estar acima do bem-estar de todos os brasileiros.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, não é um homem afeito a sutilezas. Na segunda-feira passada, em uma reunião em seu gabinete, passou uma descompostura pública nos dirigentes das três principais associações de juízes do país. Chegou a ordenar a um deles que só lhe dirigisse a palavra quando autorizado. Os arroubos verbais do presidente do STF têm deixado satisfeitos seus críticos e ocorrido com mais frequência do que gostariam seus admiradores. Mas a indignação de Barbosa tem razão de ser. A criação de mais quatro tribunais regionais federais, medida aprovada pelo Congresso Nacional na semana anterior e contra a qual ele protestava, é daquelas ideias que farão a alegria de poucos ao custo do bolso de muitos, sem, no fim, atingir seu objetivo - nesse caso, fazer baixar mais depressa a pilha de processos acumulados na segunda instância da Justiça Federal.
Para os políticos, trazer para a sua região uma nova sede de TRF, com todo o prestígio que isso significa para um estado, rende altos dividendos eleitorais. Os principais articuladores da proposta de Emenda Constitucional criou os TRFs foram o Senador Sergio Souza, do PMDB do Paraná e o deputado federal Amauri Teixeira, do PT da Bahia. Ganha um motorista e garçom quem adivinhar que estados acolherão os novos tribunais. Paraná e Bahia, é claro, além de Minas Gerais e Amazonas. Para os juízes e aspirantes à carreira, a quase duplicação do número de TRFs - atualmente, existem cinco - é também um bom negócio. O plano aprovado no Congresso prevê a criação de sessenta cargos de desembargador, com salário de 24000 reais mensais, e cerca de 3 000 funcionários de apoio.
Em sua ira, Barbosa esbravejou que a proposta fora aprovada "na surdina", de forma "sorrateira" e que as novas estruturas custariam ao menos 8 bilhões de reais. Há exagero em todas essas afirmações. A proposta de criar os tribunais foi apresentada no Senado em 2001 e aprovada no ano seguinte. De lá, seguiu para a Câmara, onde ficou parada por quase dez anos. Foi em 2011 que os parlamentares dos estados beneficiados se uniram para aprová-la - abertamente e à luz do dia. Logo eles ganharam o apoio das associações de juízes e advogados. O esforço conjunto das categorias resultou na aprovação da PEC no início deste mês. Os custos citados pelo presidente do STF também dificilmente se materializariam. Toda a Justiça Federal hoje - primeira e segunda instâncias - custa 7,7 bilhões de reais ao ano. A conta mais realista para as despesas com os novos TRFs ficaria em tomo de 700 milhões de reais ao ano, não incluídos aí os outros muitos milhões a ser gastos com a construção das novas sedes - que, a seguir o padrão corrente, não seriam menos do que suntuosas.
Mas o argumento mais poderoso a corroborar a indignação de Barbosa é: a criação de mais quatro tribunais federais será inútil se o objetivo for desafogar a Justiça Federal. Primeiro, porque, em boa pane do país, o gargalo é muito maior na primeira instância do que na segunda. Depois, porque a falta de pessoal não é a principal causa da lentidão. Até os escaninhos do Judiciário sabem que o caminho da eficiência não está no aumento da já mastodôntica máquina judicial, mas sim numa gestão eficaz.
Há exemplos bem concretos disso. O TRF da 4a Região, por exemplo, que atualmente compreende os estados do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina e do Paraná, tem a menor taxa de congestionamento entre os cinco tribunais existentes. Por que ele consegue isso com a mesma estrutura dos demais? Porque alguém se preocupou em fazer investimentos não para inchá-lo, mas para tomá-lo mais produtivo. Nesse caminho, implantou-se, por exemplo, a informatização dos processos. Desde 2010, todas as ações dirigidas ao tribunal só podem dar entrada em formato eletrônico. Com isso, o tempo de tramitação dos recursos caiu 80%. Se o julgamento de um processo demora menos, o juiz tem mais tempo para julgar outros. Hoje, apenas 5% dos processos estão digitalizados no país, segundo o professor Joaquim Falcão, da Faculdade de Direito da FGV-RJ. Diz Falcão: "O Judiciário não necessita nem de mais braços nem de mais prédios. Precisa de um choque de gestão"". Segundo cálculos do professor Pablo Cerdeira, também da FGV, cerca de 640 milhões de reais bastariam para digitalizar todos os processos da Justiça Federal - os existentes e os futuros.
Há outros caminhos para agilizar a Justiça. Um deles é não ter de julgar milhares de vezes o mesmo tema. Já existe uma regra que prevê que, quando o STF ou o Superior Tribunal de Justiça decidem sobre assuntos de "repercussão geral" e casos de "recursos repetitivos", os tribunais inferiores não precisam mais perder tempo com ele - devem apenas aplicar o entendimento já consolidado. Atualmente, há centenas de casos à espera da posição dos tribunais superiores. Isso feito, seriam imediatos os reflexos na celeridade da Justiça. "Esses mecanismos são muito importantes e já começaram a dar bons frutos, mas ainda não mostraram todo o seu potencial", avalia o ministro Gilmar Mendes, do Supremo.
Existe um impasse em relação ao próximo passo a ser tomado para a criação dos TRFs. A PEC pode ser promulgada pelo Congresso nesta semana, mas parlamentares contrários à medida e o governo buscam um meio de engavetá-la. Ainda há tempo para políticos e juízes mostrarem que as vantagens de uns poucos não podem estar acima do bem-estar de todos os brasileiros.
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